22.6.07
Contra a barriga-d’água
Ciência :: Imunologia
Equipe de Minas apresenta novas perspectivas para uma vacina contra a esquistossomose
Carlos Fioranvanti
Edição Impressa 127 - Setembro 2006
Foto © Eduardo Cesar
No Brasil, taxas elevadas de esquistossomose: desatenção com águas contaminadas
Em 1986, ao voltar ao Brasil com o título de doutor pela Universidade John Hopkins, Estados Unidos, Rodrigo Correa-Oliveira poderia ter preferido viver entocado em um dos laboratórios da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte. Mas não. O biólogo mineiro que pode agora estar na pista de uma vacina contra uma doença que aflige o mundo subdesenvolvido tirou então a botina e o chapéu do fundo do armário, pegou o ônibus e dois dias depois desceu no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais.
Durante semanas, disposto a entender melhor os mecanismos de transmissão da esquistossomose, percorreu as estradas poeirentas de Padre Paraíso, de Itaobim e de outros municípios que mal aparecem no mapa. Conversou com os moradores das comunidades rurais e revirou com uma pá emprestada o matagal das margens de córregos e lagos em busca de caramujos transmissores do verme Schistosoma mansoni, o causador da doença também chamada de barriga-d’água por causar um inchaço descomunal do fígado e do baço. Comum no norte de Minas, a esquistossomose acomete aproximadamente 12 milhões de pessoas no Brasil – no mundo todo cerca de 200 milhões de pessoas sofrem dessa enfermidade típica dos países menos desenvolvidos.
Vinte anos mais tarde, ainda com o hábito de viajar ao menos uma vez por mês para o Vale do Jequitinhonha ou para o Vale do Mucuri, Oliveira e pesquisadores da Austrália e dos Estados Unidos demonstraram que duas proteínas da superfície do Schistosoma mansoni acionaram os mecanismos de defesa do organismo de camundongos contra o verme. Se em testes com seres humanos também surgirem resultados positivos, essas proteínas – chamadas transpaninas – podem se tornar candidatas a uma vacina contra a esquistossomose, a ser adotada em conjunto com outras medidas de combate à doença, principalmente a ampliação da rede de esgotos e de água tratada, já que o verme de até 12 milímetros de comprimento por 0,4 de diâmetro se espalha por meio de fezes humanas contaminadas.
Segundo Oliveira, uma vacina se justifica porque a doença já se espalhou por vastas áreas do país, dificultando campanhas de eliminação de seus transmissores, os caramujos do gênero Biomphalaria. Além disso, o Schistosoma começa a mostrar resistência aos dois vermífugos mais usados, a oxamniquina e o praziquantel. Outro problema: “O tratamento por si só”, diz ele, “não é suficiente para evitar a reinfecção, principalmente em crianças”. Com abordagens distintas, grupos da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Butantan trabalham em outras alternativas.
Resistência natural - Esse novo caminho rumo a uma vacina surgiu de uma hipótese que Oliveira formulou em 1985 depois de ler um estudo sobre pessoas cujo organismo apresentava mecanismos naturais de defesa contra a filariose, outra doença típica dos países pobres que faz as pernas incharem tremendamente. Como tanto a elefantíase quanto a esquistossomose são causadas por vermes do grupo dos helmintos, ele imaginou que o corpo humano poderia pôr em ação formas naturais de escapar também ao Schistosoma. O biólogo que começou a estudar imunologia em 1978, ainda nos tempos de graduação, saiu então pelos confins de Minas à procura de pessoas que tivessem entrado em contato com esse verme mas não apresentassem nenhum sintoma da doença. E as encontrou.
Em laboratório, depois de analisar os tipos e quantidades de anticorpos do sangue dessas pessoas, Oliveira descobriu que as respostas que apresentavam eram bastante diferentes das registradas após o tratamento com os medicamentos que matavam os vermes. Como ele descreve em 1989 na revista Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, o organismo das pessoas resistentes à esquistossomose combatia o verme por meio de uma intensa – e quase exclusiva – produção de anticorpos, acionados por moléculas de comunicação como as imunoglobulinas E e o interferon gama.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - CONSULTA EM 22/06/07
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